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Esclarecimentos técnicos do ICOMOS Brasil aos Exmos. Senhores Desembargadores da 7ª TURMA ESPECIALIZADA DO TRIBUNAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO


ICOMOS Brasil – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, organismo consultor do Comitê do Patrimônio Mundial para a implementação da Convenção do Patrimônio Mundial da UNESCO, enviou, em 1º de junho de 2023, uma Denúncia internacional à UNESCO (anexo 1), alertando sobre o impacto do conjunto de obras e equipamentos necessários à pretensão de instalação de quatro tirolesas (e todo seu aparato de acesso e circulação), no Conjunto Paisagístico tombado formado pelos Penhascos dos Morros do Pão de Açúcar e da Urca, protegidos pelas instâncias governamentais federal e municipal brasileiras. Esta Denúncia Internacional se deu no exercício da competência disposta no art.2º do Estatuto do ICOMOS-BR, como entidade brasileira que é, vinculada ao ICOMOS Internacional (Conseil International des Sites et des Monuments), órgão consultivo do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, e no exercício de sua missão técnica de observar e pugnar pela conservação do Patrimônio Mundial, conforme define, expressamente, a Convenção de Paris de 1972. A Denúncia Internacional aconteceu por entendermos que foi violado o que dispõe o Decreto-lei 25/1937, lei brasileira que dispõe sobreo instrumento do tombamento, nos termos das características especialíssimas e específicas do referido tombamento monumental, bem como dos compromissos técnicos de conservação e preservação do bem protegido, compromissos estes expressamente assumidos, junto à UNESCO, pelo Governo Brasileiro, no Plano de Gestão do Sítio Patrimônio Mundial – “Rio de Janeiro: paisagem carioca entre a montanha e o mar”. A primeira proteção geral dos morros da Cidade se deu ainda nos primórdios da ação do IPHAN, em 1938. Posteriormente, já na década de 70, em face da acelerada urbanização e pressão econômica na cidade, fez-se necessário reforçar a proteção, com atos específicos, sempre visando a proteção integral dos penhascos monumentais da cidade. Assim aconteceu a proteção municipal, em 1970, através da legislação urbanística, referendada, posteriormente, em 1976. Em 1973, frente as ameaças de construções no topo dos penhascos, seguiu-se mais um acautelamento federal do IPHAN, pelo tombamento específico dos penhascos em questão. Posteriormente, em 2006, toda a área foi reconhecida como Unidade de Conservação de Proteção Integral, sendo declarado Monumento Natural pelo município. O reconhecimento como Patrimônio Mundial ocorreu em 2012, conforme documentos encaminhados à Unesco, por seus valores geomorfológicos, ecológicos, científicos e simbólicos. Dentre seus atributos expressados no documento de candidatura, foram mencionados, dentre outros, suas características ambientais: inúmeras espécies endêmicas, raras e ameaçadas de extinção, além de sua significação e diversidade histórica e cultural; que representam a forte interface entre a montanha, a floresta e o mar, característica da cidade. Por se tratar de um Bem Tombado Federal, a denúncia do ICOMOS-BR à UNESCO está respaldada no artigo 17 do Decreto-Lei 25/1937, que estabelece que “as coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruídas, demolidas ou mutiladas”. Do ponto de vista fático e geoecológico houve mutilação de um bem tombado de valor excepcional, fato este que ocorreu antes mesmo do IPHAN ter concluído o processo de aprovação do projeto executivodo conjunto de obras necessárias ao equipamento de acesso e uso das tirolesas. Os cortes e perfurações em diversospontos efetuados na rocha do Penhasco Monumental afetaram a integridade do bem, interferindo, sobretudo, no seu atributo geomorfológico, no que se refere ao título de Patrimônio Mundial, elencado no dossiê da candidatura e no plano de gestão do sítio declarado “Rio de Janeiro: paisagens cariocas entre a montanha e o mar”, e que integra o pacto com a UNESCO. Trata-se de evidente mutilação, em flagrante desacordo com o referido art.17 do DL 25/37, independentemente da alegada escala “relativa” ao porte do bem e de sua visibilidade, a partir de um ou mais pontos de visada espalhados pela cidade, de forma similar ao que ocorreu com o painel de Di Cavalcanti, rasgado à faca pelos invasores do Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2023, ou a outros tantos atos de vandalismo em obras consagradas e reconhecidas como patrimônio da humanidade mundo afora.


Tal denúncia foi precedida e consubstanciada por diversas notas de repúdio elaboradas por entidades técnicas e de representação da sociedade civil, a saber: · Notas específicas da (i) ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas; (ii) APG-RJ– Associação Profissional dos Geólogos do Estado do Rio de Janeiro; (iii) CAU-BR - Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil; (iv) FAM-Rio – Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro; (v) IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil; (i) SBE - Sociedade Brasileira de Espeleologia; (vi) SEAERJ - Sociedade de Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro; (vii) Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Brasileiro - Núcleo Estadual do Rio de Janeiro (anexos). Além dessas, as seguintes entidades assinaram, em conjunto, a nota de repúdio elaborada pelo Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro: ABA – Associação Brasileira de Antropologia, ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura; ABGC – Associação Brasileira de Gestão Cultural; ANPARQ – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo; ANPEGE – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia; ANPUH – Associação Nacional de História; ARQUIFES – Rede Nacional de Arquivistas das Instituições Federais de Ensino; FENEA – Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo; FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas; FNArq – Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil; DOCOMOMO Brasil – Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno e TICCIH Brasil – Comitê Brasileiro para a Conservação do Patrimônio Industrial. Esta denúncia encontra-se respaldada ainda no inciso 172 das Diretrizes Operacionais da Convenção do Patrimônio Mundial, que estabelece que cabe ao Estado - parte informar à UNESCO das suas intenções de promover ou autorizar, numa zona protegida pela Convenção, restauros ou novas construções que possam modificar o valor universal excepcional de um bem reconhecido como patrimônio mundial.


Salienta-se que, em nenhum momento este projeto foi informado à UNESCO pelo governo brasileiro, e que não houve sequer consulta ao Conselho Consultivo do IPHAN, nem ao Comitê Gestor do Sítio Patrimônio Mundial, ou qualquer consulta ou audiência pública junto à sociedade civil em geral! Pelas razões expostas acima, invoca-se o princípio da precaução e da prevenção, aplicável também à preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro, com a manutenção da liminar que embargou as obras, uma vez que está em andamento um procedimento internacional de avaliação de risco do citado projeto, o que inclui a possibilidade da visita de uma comissão de especialistas e representantes da UNESCO/ICOMOS Internacional (como órgão consultor) ao Rio de Janeiro; com esta visita, técnicos internacionais poderão contribuir numa apreciação integral do plano diretor para toda área do bem tombado, sob a perspectiva de sua inscrição na lista de Patrimônio Mundial, buscando assim apontar alternativas com vista a uma solução consensuada do processo como um todo. Por esta análise, por parte da UNESCO, com assessoria do ICOMOS Internacional, busca-se evitar o entendimento internacional de que houve descumprimento na proteção e conservação do bem, patrimônio mundial, pela sua mutilação irreversível, e descaracterização da paisagem cultural, o que poderá resultar em sua consequente recomendação de sua retirada da lista de patrimônio mundial. A manutenção da liminar suscitará a oportunidade de se chegar a uma solução consensuada do projeto como um todo, projeto este que ainda está em tramitação no IPHAN, e solução esta que só foi possível ser aberta à discussão pelas decisões do Judiciário, não só da liminar concedida, como também dos procedimentos que se seguem, como a vistoria técnica judicial, agendada para ser realizada no dia 28/9/2023, pelo Juízo da 20ª Vara Federal. Por esta razão, considera-se importante que haja oportunidade de aguardar os desdobramentos do processo internacional. A não manutenção da liminar irá impactar negativamente na apreciação do caso pelas autoridades internacionais, e na sua necessária discussão técnica nacional aprofundada, bem como na imprescindível apresentação do projeto integral para a área, com a consulta à sociedade civil fluminense e brasileira, a quem o Monumento pertence como patrimônio cultural nacional e mundial.


Rio de Janeiro, 22 de setembro de 2023.


Prof. Dr. Júlio Sampaio

Vice- Presidente do ICOMOS BRASIL – RJ


Flavio de Lemos Carsalade

Presidente do ICOMOS BRASIL – RJ


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